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Foto do escritorLygia Canelas

O que meu filho me ensinou sobre linguagem simples

Atualizado: 14 de jul. de 2023

Saiba tudo o que o meu filho me ensinou sobre como a linguagem adequada pode garantir a concentração de quem escuta ou lê alguma coisa.

[ilustração] Um mulher abraça um menino. Notas musicais ao fundo e palavras soltas. Fundo azul claro. Logo do Bibliothinking no canto inferior esquerdo.

Sempre cantei pro meu filho, desde que estava na minha barriga. Hoje, com 2 anos e meio, eu canto sempre que ele pede ou na hora de dormir. Mas para que ele preste atenção a linguagem deve fazer sentido pra ele, caso contrário, ele muda o foco para qualquer outra coisa.


Uma certa tarde em que o bichinho teimava em ficar acordado, cansado e precisando dormir, eu deitei do seu lado e disse que iria cantar uma música que gosto muito.


Essa música era nova!


Então comecei a cantar… “Se essa rua, se essa rua fosse minha… eu mandava, eu mandava ladrilhar…”


Sempre que começo a cantar, percebo na hora se a letra e a melodia agradaram ou não. É algo muito rápido, meu filho deixa de prestar atenção imediatamente e me interrompe, muda de assunto ou esquece o sono quando a música não agradou.


No entanto, quando ele gosta, ele abre um pouco mais os seus olhinhos e imediatamente procura os meus. Ele vira o corpo todo na minha direção e para o que estiver fazendo. Sei naquele momento, que ele está focado.


Bem, mas ao cantar “Se essa rua fosse minha” meu filho dispersou, e então me lembrei de outras músicas que ele não curtiu… todas falavam de assuntos que ele não conseguia se conectar. Ou porque não tinha vivido algo semelhante, ou porque as palavras eram fora do seu vocabulário…


Um detalhe é que o pequeno Oliver fala bastante, adora cantar e tem um vocabulário bem extenso pra sua idade, algo que costuma chamar a atenção.

No momento em que percebi sua dispersão me ocorreu a ideia de traduzir algumas das palavras da canção e eu me surpreendi demais com a reação dele. Ele passou a compreender a canção, e isso fez toda a diferença para que ele quisesse escutar. Então ele focou em mim, escutou a música e depois repousou o olhar do lado de dentro, como costumo dizer… é quando a gente se distrai olhando fixamente pra alguma coisa, os olhos estão abertos, mas o foco está no pensamento.


Ao invés de dizer ladrilhar eu disse enfeitar


Troquei pedrinhas por bolinhas e dei o destaque “bem brilhantes” (ele conhece o verbo brilhar, um verbo estrelar…)


Depois alterei o “meu amor” por “meu bebê”. Sempre que digo bebê ou Oliver, ele sabe que é dele que estou falando e fica muito feliz, isso reforça ainda mais a sua curiosidade e ele parece se sentir muito amado.


Lembrei imediatamente de tudo o que aprendi sobre Linguagem Simples, uma técnica de comunicação cujo objetivo é tornar os textos mais simples de serem lidos e mais rápidos de serem compreendidos. Essa técnica elimina ruídos textuais, pois trabalha com a clareza, a concisão e a simplicidade.


Utilizar palavras conhecidas e contextualizadas


Uma das diretrizes propostas pela autora dessa técnica, Heloisa Fischer, é “utilizar uma palavra conhecida”. Ao escrever um texto ou se comunicar com alguém, utilize palavras que o outro conheça. Aqui surge a empatia com quem está recebendo a mensagem.

A “tradução” de determinadas palavras permitiu que o Oliver pudesse compreender a canção porque os termos fizeram sentido PARA ELE e NAQUELE CONTEXTO.


Sou Bibliotecária e UX Writer, ou seja, sou um ser humano que adora um vocabulário controlado, rsss, em outras palavras: termos com significados contextualizados em uma estrutura organizada que facilita sua consulta e sua edição.


Sei que antes de selecionar termos adequados para um Guia de Tom de Voz ou para um Vocabulário Controlado de um sistema ou acervo, é preciso contextualizar e isso não é possível de ser feito sem sabermos pra quem estamos escrevendo e quem está escrevendo. Afinal, a linguagem não será minha, será da “marca”.


Os sentidos e a intenção da mensagem


Vou dar outro exemplo. Meu filho descobriu a palavra barata porque em determinado momento, uma dita cuja resolveu aparecer em nossa casa rss. Bem, em resumo, brinco com ele que precisa tomar banho e deixar tudo sempre limpinho porque as baratas gostam de sujeira e não queremos atrair baratas para a nossa casa.


Pois bem, outro dia estava conversando com meu esposo e falei sobre um produto ser mais barato do que outro. Ele veio correndo perguntar: “Tem barata? Onde mamãe?”.


Vivo atuante nessa mediação entre o mundo das palavras e a compreensão que o meu filho faz delas e acabo me lembrando de vários momentos de comunicação que tive no trabalho, em que erros e dificuldades de compreensão surgiram…


A verdade é que todas as pessoas passam por situações desse tipo ao trocarem mensagens entre si, seja por texto ou por meio da fala. A gente entende o mundo a partir das nossas vivências, do nosso grau de escolarização e da nossa visão de mundo. O peso do pouco tempo que temos atualmente, das palavras que você escolhe, uso excessivo de metáforas ou substantivos abstratos, frases longas, siglas, palavras pouco conhecidas, enfim, poderá dificultar muito a compreensão da mensagem.


Os sentidos e a intenção que temos ao emitir uma mensagem, nem sempre chega ao outro da forma como pensamos. Vou dar três exemplos aqui:

  1. Quando falo a palavra jogo, meu esposo pensa em futebol. Minha mãe lembra do jogo de xadrez com meu avô, pai dela. Eu? Penso em vídeo-game!

  2. Quando falo em algo ser barato, meu filho imagina logo uma barata enorme de calças e bigode.

  3. Quando falo bibliotecária você pensa em biblioteca, e não entendeu até agora porque ou como posso ser uma UX Writer também ; ) (brincadeira)

Se eu tivesse dito que sou Arquiteta da Informação, talvez você não se espantasse ou criasse uma resistência aí do seu lado. Hmmm, gerei polêmica? Por favor, não me julguem.

Isso ocorre porque nos relacionamos com as palavras muito mais por familiaridade do que por sua definição do dicionário.

“As chances de diferenciação de interpretação das palavras […] vão ser dadas pela maior ou menor familiaridade que cada um tem relativamente ao assunto apresentado. Vê-se, portanto, que as palavras isoladas não significam nada, ou significam, virtualmente, tudo. É a condição de referência a determinados contextos que lhes confere significado.”
(Marílda Lopes Gínez de Lara, em Algumas contribuições da semiologia e da semiótica para a análise das linguagens documentárias)

Abaixo, segue a letra original, incompleta eu sei, pois nem deu tempo de traduzir muito, o bichinho capotou quando repeti esse pedaço pela terceira vez.


Se essa rua, se essa rua fosse minha

Eu mandava, eu mandava enfeitar

Com bolinhas, com bolinhas bem brilhantes

Para o meu, para o meu amor bebê passar…


 

Se você gostou desse texto, provavelmente vai gostar de "Linguagem clara: o que isso tem a ver a experiência do usuário?".


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